Laranjeiras, satisfeito, sorri

Por: Luiz Magalhães

O belo mural feito em homenagem à cantora Cássia Eller, no bairro carioca das Laranjeiras, criado pelo trio de artistas Gustavo Peres, Jorge Machado e Ricardo Galhardo, aponta para algumas das características que fazem do pequeno bairro de passagem, com poucas opções de lazer e cultura, num lugar que inspira músicos e artistas, como Nando Reis, compositor da famosa canção que evoca o nome do local.

A amizade entre Cassia e Nando começou no final dos anos 90, época em que o músico estava no Rio de Janeiro para gravar junto dos Titãs o disco Volume Dois, que sucedeu o Acústico MTV, de 1996. E Cassia não morava bem em Laranjeiras. Mas sim no Cosme Velho.Nando apenas passava por Laranjeiras para chegar até o apartamento de Cassia, na altura do Colégio São Vicente de Paulo, assim como muitos turistas que vão do Largo do Machado até o bondinho do Corcovado.


Além de rota turística, o Cosme Velho possui um museu e foi o lar da literatura moderna brasileira, tendo abrigado a casa do escritor Machado de Assis. Quando o assunto é memória e cultura, Laranjeiras fica bem atrás. Sem museus, sem atrações turísticas, sem casas de show, abrigando apenas um complexo de casarões antigos na Rua Leite Leal, as Casas Casadas, que luta para ficar de pé desde 1994, quando um incêndio atingiu o local.

Quando o assunto é política e futebol, o jogo muda. Durante a semana, esse pequeno bairro-tampão recebe o alto escalão do Poder Executivo da cidade e do estado do Rio de Janeiro no Palácio Laranjeiras, centro da política carioca, e no Palácio Guanabara, residência oficial do Governador, e eventual ponto de encontro de manifestantes descontentes com rumos da política.

Vizinho ao Palácio Guanabara, o Fluminense Football Club recebe atletas, cartolas e sócios diariamente em suas quadras e piscinas. Tido como o time da elite local, seus salões de festa já receberam importantes eventos, jantares, casamentos, gravação de filmes e comerciais de TV, e claro, festinhas de quinze anos.

Mas então, de onde Laranjeiras emana inspiração? Será que o bairro é mesmo tão capaz de sorrir satisfeito por um motivo qualquer?

Nos últimos anos, a Praça São Salvador, no limite com o Flamengo, trouxe certa visibilidade cultural para aquele pequeno pedaço de perímetro urbano. Mas tanto o sambinha de sábado, quanto o chorinho de domingo, vivem lutando contra a prefeitura para se manterem de pé. Ali, cultura e arte são frequentemente ofuscadas pelos ciclospopulistasde governantes que eventualmente cogitam em colocar grades em torno da praça, apoiados por moradoresincomodados com o tintilar de garrafas de cervejas, madrugadas adentro.

Aprendi a tocar guitarra nas escolas de música do bairro, comprei CD’s em suas lojas e formei bandas com seus habitantes. Aprendi tudo sobre música conversando com vizinhos do prédio, colegas de turma e professores entusiasmados. Vi seus artistas maturarem confinados em estúdios, buscando outras praças e outras cidades para mostrar o seu trabalho. Botafogo, bairro fronteiriço, com seus cinemas de rua, seu polo gastronômico e suas casas de shows que abrem na mesma velocidade com que fecham, parece ter mais vocação para receber os sorrisos e as inspirações de seus vizinhos.

Por entresua arquitetura imperial, suas ruas arborizadas – onde não é possível encontrar pés de laranja, de fato – e o vai e vem de políticos, manifestantes, atletas e turistas, Laranjeiras segue suas contradições culturais enquanto bairro-dormitório da classe artística, onde a arte nasce e se reproduz entre uma ida para comprar o pão na padaria da esquina e um bate papo acalorado sobre política no banquinho perto do chafariz da praça.

Por: Luiz Magalhães

1 comentário

  1. Luiz Guimarães, é indo este teu texto que me despertou um forte sentimento de nostalgia ao lembrar a Cassia e o bairro das Laranjeiras.
    Quantas saudades!
    Obrigado por isso!

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