daBossa: esse jogo não é um a um

Por: Luiz Magalhães

DANILO CUTRIM, ex-For Fun e atual Braza, veio do rock. Driblou com o reggae. E agora tá na grande área, pedindo a bola para marcar um gol de samba. Correndo pela lateral direita está Jean Charnaux, violonista, pronto para fazer o cruzamento.

O time vem bem entrosado. Depois de uma boa campanha de estreia com o disco “Um Dois”, a dupla chega para provar que jogo é jogo e samba é samba, com o lançamento de “Dois em Um”, álbum recém-lançado nas principais plataformas de streaming.

Álbum “Dois em Um” no Spotify


Logo na primeira faixa, “Preciso”, o samba já chega com tons de Lapa. Aquela Lapa retirada das cinzas e ocupada por Casuarina, Teresa Cristina e Cia. Ouve-se um sambinha puxado pelo pandeiro, entremeado por contracantos do violão de sete. Enfim, aquele som de cartela de chope molhada, às três da manhã de uma sexta-feira quente e úmida, daquelas que só o Centro do Rio pode proporcionar para seus habitantes.

Na jogada seguinte, o lance inverte. Jean começa nos vocais, mas logo toca de volta para Danilo na grande área. Os dois têm a vantagem. Jogam em casa. No Beco do Rato, em Copacabana, na Praça São Salvador. Mas o jogo não está decido. Ainda tem muito cavaco pra catar.

Em “Poético”, o ritmo da partida dá uma esfriada. O samba-canção deixa o jogo na retranca, mais ou menos ali, por volta de 1920. Mas ajuda a narrar a ascensão e queda da Belle Époque carioca: o Palácio Monroe, os discos de acetato, a República do Café-com-Leite e a Revolta da Vacina.

“Samba Surfe” traz ânimo para a partida. Metais, piano e bateria finalmente saem do banco de reservas e armam o contra-ataque, mirando na gafieira. O samba sai do dedilhado e cai no pé, arrastando as sandálias pelo gramado. No entanto, a sola não se gasta.

O time volta a campo arriado com “Era pra ser”. De repente não era mesmo. Mas “Cybersamba” ensaia aquela arrancada para o hoje (que Danilo e Jean poderiam ter dado desde o começo), inserindo a gramática do samba no mundo 4.0, ao abordar os dilemas pós-modernos, nascidos e criados com o uso das novas tecnologias.

A bola rola entre Facebook, Twitter, Telegram e Instagram. Malandro que é malandro agora acompanha as notícias pelo grupo de zap zap e vive comprando roupa nova, para ficar impecável no Tinder.

Caminhando para os últimos momentos, Cutrim e Charnaux apostam novamente na nostalgia, na busca pela consagração junto à torcida. Mas o cheiro de naftalina não vem. A jogada ensaiada é uma velha conhecida de quem já precisou catar no chão do bar os pedaços de uma comanda esfacelada pela ação de movimentos bruscos de uma conversa acalorada somada à umidade do fundo de uma tulipa de chope que cisma em esquentar assim que é servida, durante uma madrugada qualquer da Lapa dos anos 2000.

A faixa “Preciso” está na nossa playlist Primavera MBV

Por: Luiz Magalhães

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