Marcelo D2: Assim tocam meus tambores

Por: Luiz Magalhães

A gente acha que D2 vive em busca da batida perfeita. Mas ele vive é mesmo à procura do RoT (Rap of Things), ou Rap das Coisas, num bom português aqui do Brasil. Sua primeira grande aventura foi extrair rap do rock, com o Planet. Depois, encontrou amostras de rap no Partido Alto, e tomou da mesma água de Bezerra. D2 vive assim, procurando o rap que está por aí, escondido de alguma forma, seja num gênero musical, num objetivo físico ou mesmo imaginário.

Nesta altura, você deve estar se perguntando: mas não tem rap bem ali, no disco de rap? E tem sim. Tem rap no Rio, com MV Bill. Tem rap em São Paulo, com Racionais. Tem rap no Brasil todo, saindo pela boca de meninos e meninas das periferias das grandes e pequenas cidades. Tem rap para dar e vender. Não precisa ser exatamente um xeroque rolmes para achar um rap por aí, não é mesmo?

Mas a onda de D2 é outra. Ele é um explorador. O disco “Assim tocam meus tambores”, lançado no mês passado, é mais uma prova da obstinação empírico-musical deste incansável caçador de rap. E desta vez, cansado o plano físico, ele foi catar rap no digital.

Há quem pense que D2 é um típico explorador solitário, destes de Hollywood. Só que não. Para esta missão, ele preparou a caravela e botou todo mundo lá: família, amigos e fãs. Uma verdadeira balbúrdia de dar inveja. Todo mundo conectado pela plataforma de streaming Twitch, analisando possíveis formas de rap em zeros e uns.

Já no primeiro toque do tambor, na faixa “Rompeu o Couro”, o rap mostrou sua face. Era um escravo africano, trazido para o Brasil a força por colonos portugueses para trabalhar em condições subumanas em lavouras de café e cana. A cada nota, uma sílaba. A cada compasso, versos que contam uma história sobre feridas que teimam em não cicatrizar.

Em seguida, um fato surpreendeu a todos. Desde o início, ninguém se atrevia a afirmar que seria possível fazer rap com as redes sociais. Essa amálgama formada por Twitter, ódio e fake news era considerada o último lugar de onde um rap pudesse brotar. Mas D2, além de explorador, é iniciado por Jorge Ben na hermenêutica da alquimia poética.

Foi um trabalho hercúleo, mas, enfim, o jogo virou. Laranjas, bananinhas e depósitos de 89 mil reais, após triturados e colocados na composteira, viraram material orgânico rico para a práxis investigativa de D2. No entanto, depois de escrutinar post, tweets e comentários, redes afora, os altos níveis de realidade crua deram origem a um tipo de rap jamais encontrado. A faixa “A Verdade Não Rima” expressa uma tese sobre a dificuldade de encontrar palavras para um rap num Brasil negacionista e protofascista.

Mas nada disso impediu de D2 de seguir na sua saga, é claro. Do Mangue Beat e da cerveja depois do almoço saiu o rap. E foi bem fácil, segundo testemunhas. O relato completo está na faixa “Mulangoforte”, a quinta do álbum. E deu tão certo que Jorge du Peixe, aparece em “Pela Sombra”, para puxar ainda mais rap da cambada.

“Assim tocam meus tambores” é um mosaico musical que tem as rimas (ou a quase impossibilidade delas) como fio condutor de uma narrativa que tenta dar conta das urgências de um Brasil divido, esfacelado, fraturado, em frangalhos. A estética do estilhaço sob a qual o disco é erguido, com seus loopings entrecortados e timbres que dançam de um fone de ouvido para o outro, produz um rap a partir do choque e do atrito entre hiper-realidades, ficções e negacionismos contemporâneos.

É um trabalho que forma uma unidade a partir da multiplicidade de vozes, gêneros, visões, e de macro e micro histórias que se encontram e se repelem, no andar trôpego de um país embriagado pelos rancores de suas classes.

Por: Luiz Magalhães

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