“Cartas para Gonzaguinha”: O musical-catarse do ano

Lotando as duas sessões já apresentadas no Teatro Riachuelo Rio, em plena quarta-feira, o espetáculo “Cartas para Gonzaguinha, o Musical” se debruça sobre a obra de Luiz Gonzaga Jr. para contar uma história fictícia passada no início da década de 1980, em plena Ditadura Civil-Militar. Apesar de datada, a peça traz questões atualíssimas, fugindo do viés puramente panfletário e partindo para o verdadeiro ativismo, culminando em uma catarse ao final.

No dicionário, ativismo significa ‘argumentação que privilegie a prática efetiva de transformação da realidade em detrimento da atividade exclusivamente especulativa’. E foi assim que a diretora Rafaela Amado fez valer o texto de Tiago Rocha em algo extremamente representativo – da ‘memória de um tempo em que lutar por seu direito é um defeito, que mata’ e a esperança na ‘fé da moçada’.

Com idealização e direção musical de João Bittencourt, “Cartas” abre alas com o elenco cantando “Caminhos do Coração”, já envolvendo o público e transformando a realidade. Tendo como pano de fundo os bastidores de uma fábrica de cadeiras, Solemar (Joana Mendes) pede ajuda a seus amigos, amigas e conhecidos para escrever uma carta pro Gonzaguinha. No contexto, ela participa de um concurso promovido pelo artista em uma revista para saber “o que é a vida”. A resposta, evidentemente, fica a cargo da pureza das crianças.

Ao longo do espetáculo, descobrimos a visão de cada um sobre o que é a “vida” e os dramas protagonizados por Zé (Marcelo Alvim) e João (Celso Luz) são sentidos por cada um ali presente na plateia. Fugindo do óbvio-fácil, a pesquisa de Nanan Gonzaga – que carrega no sangue e na alma a memória de Gonzaguinha – privilegia canções perpassadas por toda a obra do compositor, com verdade e letras viscerais, que ali ora são ressignificadas, ora amplificadas em seu sentido.

O primeiro ato encerra elevando o grito rouco das gerais torturadas entremeando as canções “Amanhã ou Depois”, “Pequena memória para um tempo sem memória” e “Achados e Perdidos”, logo depois de sentido o sumiço de Chico (Matheus Faissal) pelas forças ditatoriais.

O segundo ato começa com a representação de uma sessão de tortura nunca antes retratada de tal maneira – e aqui sem spoilers -, indo do riso ao choro da plateia. Abrindo este momento com “A felicidade bate à sua porta”, o sarcasmo escancarado nos conduz para a alma que sangra, a (des)ilusão com o sistema e o coração que explode na catarse final.

E é em “Explode Coração” que o sentido da ressignificação ganha força, buscando as personagens um sentido para a vida, um sentido de liberdade. A fatalidade de um “homem que também chora” nos mostra que, apesar de tudo, a vida é o que? É bonita, é bonita e é bonita.

Antes mesmo do fim da peça musical, “Sangrando” faz uma prévia dos sonhos coletivos, anseios e lutas – que, com penar, são atuais. Ali, a plateia já delira, de pé, sejam geraldinos ou arquibaldos. Ao final, “O que é O que é?” é cantada por todos, com a força, a luta e a esperança por dias melhores.

Por: João Santiago

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